Tudo o que eu nunca disse à minha mãe

Há coisas que eu disse. Há muitas coisas que eu disse ao longo desses anos todos. Disse que não voltaria tarde. Disse que arrumaria o quarto logo. Disse que estava com saudade. Disse que ela tratava meus irmãos bem melhor do que tratava a mim. Disse que precisava de ajuda. Disse que não, eu não conseguia comer agrião de forma alguma. Disse para ela não insistir. Disse que estava com medo. Disse para parar de me tratar como se eu tivesse 10 anos. Disse que, no fundo, eu ainda não era tão adulta assim. Disse para ela não ser tão rígida. Disse para ela não ir embora. Disse “não enche, mãe”. Disse “te amo, mãe”.
Mas, entre tantas coisas ditas, boas e não tão boas, certas e não tão certas, constantemente sinto que ainda ficou muito por dizer. E percebo que, hoje, adulta, já não posso me dar o luxo de deixar as palavras perdidas no tempo, como se não houvesse pressa nenhuma em dizê-las. Há. Sempre há pressa para dizer coisas importantes. Especialmente para as pessoas que mais importam.
Mãe, eu nunca disse que toda noite, toda santa noite, antes de adormecer eu penso em você. Quase como se fosse um jeito de te trazer para o meu quarto, como nos velhos tempos. E que é só quando a sua presença se aproxima da beira da cama que os meus fantasmas contemporâneos – trabalho, chefe, relacionamento, dinheiro – se afastam e eu começo a pegar no sono.
Eu nunca disse que a cada vez que como uma coisa que você gosta, penso se tem um jeitinho de guardar um pouco para te dar. E que quando não tem nenhuma forma, eu fico pensando que, logo que der, tenho que te levar naquele lugar para comer aquilo comigo. E, às vezes, penso que isso é o que você fez a minha vida inteira: se culpar por estar comendo sem mim as coisas que você achava que eu ia gostar. E hoje eu te entendo.
Eu nunca disse que toda vez que faço as receitas que você fazia, ficam uma droga. Mesmo que seja só uma sopa. Só um sanduíche. Só um leite. Eu posso comprar os mesmos ingredientes e seguir os mesmos passos. Não tem jeito: eles sempre têm um certo gosto de frustração. Porque as mãos que fizeram aquilo foram as minhas e não as suas. E nunca vai ser a mesma coisa.
Eu nunca disse que você tinha razão. Em quê? É tanta coisa que nem sei explicar direito, mãe. Você tinha razão desde o começo. Nos caminhos, nas curvas, nos deslizes. Caramba, como você tinha razão! E eu nunca te disse quanto tempo perdi te dizendo que não era bem assim. É assim. É completamente assim, mãe. Como é que você sempre soube?
Eu nunca disse que tenho uma angústia constante cultivada no fundo do peito por saber que jamais serei capaz de te agradecer o suficiente. E que não haverá vocabulário de afeto suficiente para dizer tudo o que eu precisaria te dizer. Nem abraços suficientes para te entregar o que tem aqui dentro. Nem pedidos de desculpas suficientes por todas essas bobagens ao longo de tantos anos.
Eu nunca disse que nunca vou conseguir dizer tudo o que precisaria te dizer, mãe. E que, talvez, essa seja a maior prova de que você fez o seu papel tão impressionantemente bem. Porque você criou em mim uma coisa que extrapola largamente o poder das palavras. E dos braços. E olhares. E beijos. E toques. Mas acho que hoje eu só quero que você saiba, mãe. Saiba que você se fez tão grande, tão imensa, tão gigante que, qualquer coisa que eu diga, vai ser sempre pouco.
E mesmo assim eu faço questão de continuar dizendo: eu te amo a cada segundo, me desculpe todo dia e obrigada pela vida toda. Eu te amo, me desculpe, obrigada. Sempre.

Autora: Ruth Manus

Tudo o que eu nunca disse à minha mãe



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