Imposto do amor

Enlouqueço a casa. Procuro as notas de dentista e médico, separo as despesas, caço bilhetes e comprovantes de rendimento. Acampo na mesa de sala grampeando papéis e organizando pastas para a Receita Federal.
Sempre sofro no fim de abril. Minha família me conhece e me abandona ao ódio. Fico nervoso, implicante, grosseiro, com brotoejas preocupantes no rosto.
O Imposto de Renda exige revisão minuciosa do ano passado: controle de gastos, recibos e canhotos. É um trabalho de arqueologia das gavetas, dos bolsos da mochila, do purgatório do escritório. Qualquer esquecimento gera apreensão. É o único caso em nossa vida que esquecer é crime.
Enquanto quase enfartava com a pilha da papelada, criei uma ideia absurda (que só poderia aparecer diante do esgotamento nervoso): e se houvesse uma Declaração de Amor, um Imposto do Amor?
Sim, se todos fossemos obrigados a declarar nossas ações em nome de um namoro ou casamento. Até 30 de abril, teríamos que enviar declaração de isento ou informar o que realizamos dentro de uma relação. Seria ainda mais angustiante do que o IR.
Qual foi o nosso desempenho? Receberíamos caneta azul ou vermelha? Você realmente demonstrou amor para seu marido ou mulher em 2017?
Estou enxergando as sutilezas perigosas do quadro. Não é complicado projetar a mecânica do tributo a ser colhido na alma do contribuinte. Gentilezas gerariam reembolso integral.
Jantares, shows, viagens, festas, surpresas, bilhetes, mimos contariam a favor do saldo.
Já brigas, omissões, egoísmo, ataque de ciúmes, infidelidade, boicote e mentiras pesariam contra nosso histórico.
Cada um de nós sofreria para comprovar seus sentimentos. Não daria para expor algo sem provas. Responderíamos um longo questionário no site.

Amou mesmo? Onde? Como? O que renunciou em nome do outro? O que fez para esclarecer suas intenções? Cuidou de sua companhia? Dedicou seus melhores esforços ou foi omisso pelo excesso de trabalho? Amadureceu no entendimento de seus defeitos? Criou espaço para o respeito das diferenças? Não se colocou em primeiro lugar?

Com precisão, listaríamos nossas atividades de tempo amoroso. Os contadores estariam representados pelos terapeutas, que combateriam as distorções, desculpas e exageros. O ursinho de pelúcia tomaria o trono do rei da selva e assumiria o papel de mascote do fisco. As propagandas do governo destacariam características de um novo animal, não mais as mordidas do leão.
“O abraço de urso não precisa ser apertado. Não deixe para última hora!”
Com a avaliação anual, descobriríamos ao final se pagaríamos imposto ou ganharíamos restituição. Mas sempre haveria um mundaréu de gente que sonegaria o fisco e não declararia seus males. Não existe maior sonegação do que no amor.
 
Autor: Fabrício Carpinejar

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